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Crianças tomam conta de terrenos baldios e os transformam em jardins, hortas e áreas de leitura


Quando viu um terreno vazio e abandonado diante de sua casa, no empobrecido distrito de Comas (periferia de Lima), em 2011, o peruano Rogelio Ramos Huamán se lembrou de um projeto que fizera na escola alguns anos antes: ele havia sido encarregado de cuidar de um pequeno terreno, onde plantava sementes e regava as plantinhas.
Huamán decidiu, então, repetir a experiência em terrenos baldios perto de casa. As crianças da vizinhança foram convidadas a usar esses espaços para fazer seus pequenos jardins, com cartazes coloridos e pequenas mudas de plantas.
Em questão de meses, diz ele, eram tantos os jardins infantis espalhados pela vizinhança de Comas que a comunidade decidiu ir além: pediu à prefeitura autorização para ocupar um terreno da região, com 120 m2, que estava abandonado e cheio de lixo. As crianças locais o transformaram em um bosque, com vasos de plantas, árvores frutíferas e bancos para leitura. Uma empresa cedeu água e fertilizantes.
Assim, a comunidade deu ao bairro uma área até então inexistente para as crianças brincarem. "Ao fim, ficamos felizes por como a força da nossa crença em mudanças conseguiu melhorar o bairro e nós mesmos como pessoas", escreveu Huamán no livro do projeto peruano "Tierra de Niños" (TiNi, ou Terra de Crianças em tradução livre), iniciativa da ONG Ania, criada para estimular o desenvolvimento sustentável por meio do contato das crianças com a natureza.
Desde que a criação da organização, há 23 anos, o projeto envolveu diretamente ao menos 20 mil crianças em países como Peru, Equador, Canadá, Chile, Costa Rica e El Salvador, com a transformação de 2 milhões de metros quadrados de terra em dez países, além de impactar alunos de quase 6 mil escolas peruanas - o TiNi foi institucionalizado em 2015 pelo Ministério da Educação do país.
Seu criador, o ambientalista Joaquín Leguía, estará em São Paulo entre 6 e 7 de junho para o Seminário Latino-Americano Criança e Natureza, que vai discutir as relações entre a infância e o meio ambiente nos espaços urbanos.
"A meta é empoderar as crianças para transformar seu entorno e reconhecer o papel delas no desenvolvimento sustentável", diz Leguía à BBC Brasil.

Capacidade e responsabilidade

O TiNi consiste em ceder às crianças, formalmente, pequenas áreas de terra, a partir de meio metro quadrado - pode ser o terreno coletivo da escola, a pracinha abandonada no bairro ou mesmo a pequena varanda de casa.
"Entregamos a terra com um contrato, que as crianças assinam. Aquela área passa a ser protegida por elas, e elas têm ali a liberdade de empreender suas iniciativas. Assim, damos valor a sua capacidade de melhorar o mundo", diz Leguía.
Aos adultos, cabe assegurar que a área seja segura e ajudar as crianças a levar suas iniciativas a cabo. E assim, aos poucos, as áreas "infantis" ganham mudas de árvores frutíferas, flores coloridas e plaquinhas desenhadas à mão.
Não há grandes recursos envolvidos. As crianças conseguem se apropriar da terra com a ajuda de plantas doadas por vizinhos, materiais recicláveis e pequenas coisas feitas por elas próprias, diz Leguía.
"Usamos coisas que não exijam tecnologia, que não sejam caras. Uma menina, por exemplo, fez uma pequena horta com orégano para sua pizza, erva medicinal para sua avó e flores polinizadoras porque queria ver beija-flores."

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